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Música Caseira Santista


Em 1969, os fundos de uma casa de bairro em Santos (ou teria sido em São Vicente?) serviram de estúdio improvisado para o ensaio de História de Pescador, canção que iria ser apresentada alguns dias depois na segunda fase do II FEMPO - Festival de Música Popular da Baixada Santista. No meio do ensaio, o pianista Paulo Roberto do Espírito Santo, arranjador e líder do conjunto oficial do festival, virou-se para um garoto de doze ou treze anos e disse: "Arismar, na mudança de compasso, deixa o baixo, e toca sax." Bem, tu tinha levado um pequeno gravador, de fita minicassete, e acabou fazendo o registro doméstico de uma música caseira santista. Quarenta anos depois, em 2009, o espetáculo Música Caseira Brasileira era realizado em São Paulo, com Arismar do Espírito Santo e Sílvia Goes, e os filhos Bia Goes e Thiago do Espírito Santo. O evento era feito em homenagem à mãe dos irmãos Arismar e Paulo Roberto do Espírito Santo, cantora do rádio santista nos anos de 1930 e 40, que usava o nome artístico Aracy Lima.


Aracy Lima ao lado do microfone da PRG5 (Rádio Atlântica de Santos) - detalhe da imagem maior

Que tu chegou a conhecer pessoalmente em 1990, mas sobre quem tu já sabia por referências de tua mãe, que te mostrou, na revista santista Flamma, de janeiro de 1940, uma reportagem em que a cantora era apontada como a sambista número um, cantando na Rádio Atlântica de Santos, PRG5, um repertório de músicas para o carnaval daquele ano, acompanhada do Regional do Juca, liderado por Burgos Junior. Programa que ela acabara de ouvir, pouco antes da publicação, no aparelho de rádio sobre o móvel no corredor da casa do teu avô. Anos depois, na sala da tua casa, um aparelho parecido com aquele te levaria a outros mundos sonoros nas ondas do rádio. Era setembro de 1954, e a sala do rádio foi a tua primeira sala de aula, antecipando o início dos estudos formais no ano seguinte. Foi um percurso que adentrou pelas duas décadas seguintes, até que, em 1981, te trouxesse, pela via de anseios e questionamentos, de volta à música caseira santista. Não apenas à música caseira santista, mas à arte caseira santista em geral, ao teatro caseiro santista, à literatura caseira santista, à pintura caseira santista. Usando as ondas do rádio não para revisitar a herança daquelas décadas, mas para publicar em revista sonora o que pudesse constituir legado para décadas futuras. A decisão de desviar a trilha da vida começando por uma singela experiência radiofônica. Que produziu apenas, mas suficientes dois programas de rádio, Gente no Ar e Mesa de Som. Tu já não te iludia com o sonho de fama e riqueza, o fame and fortune do american way of life que tanto impregnou as mentes conterrâneas tuas. Nem te fazia cócegas o preconceito igualmente disseminado de que o enraizamento caseiro redundaria fatalmente em provincianismo. Te encantava apenas o impulso de criar, independentemente, alternativamente, sem ambições pessoais de reconhecimento além das tuas fronteiras. Sem ligar que a tua criação mal extrapolasse os limites da vizinhança. Sem expectativas de tu se tornar futuramente mais um santo de casa que não fazia milagres.

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